I
一
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
为了抵达世界的私密,人们需要知道:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
1 清晨的光芒不是用刀切出来的
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
2 紫罗兰如何在白日里准备死亡
c)Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
3 为什么红纹蝴蝶总是迷恋坟墓
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
4 下午时分一个男人用大管吹出他的存在,会不会得到救赎
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos
5 一条在两只风信子之间流淌的河,比一条在两只蜥蜴之间流淌的河更有柔情
f) Como pegar na voz de um peixe
6 如何攫获一条鱼的声音
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro
7 夜的哪一面湿润得更早。
etc
等等
etc
等等
etc
等等
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.
每日八个小时去除学习可以教会原则。
II
二
Desinventar objetos. O pente, por exemplo
不去创造事物。比如,梳子。
Dar ao pente funções de não pentear
赋予梳子不梳头的功能。直到
Até que ele fique à disposição de ser uma begônia
它准备成为一朵秋海棠。或是
Ou uma gravanha.
一根松针。
Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.
运用一些词汇,它们
还未曾拥有语言。
III
三
Respeitar repetir – até ficar diferente.
Repetir é um dom de estilo.
重复,重复——直到出现不同。
重复是风格的禀赋。
IV
四
No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
《卑微之物的伟大之书》中这样写:
E quando
诗,是午后适宜大丽花绽放
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
是麻雀的身边,白日过早地睡去。
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
是人造出的第一条蜥蜴。
E quando um trevo assume a noite
是雷鸣占有了黑夜
E um sapo engole as auroras.
是蛤蟆吞噬了晨曦。
V
五
Formigas carregadeiras entram em casa de bunda.
一群荷重的蚂蚁走入了屁股的家。
VI
六
No descomeço era o verbo.
无名的事物被孩子们宣告。
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a voz
七
dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
非太初,有动词。
funciona para cor, mas para som.
稍后,始有动词的憺妄。
Então se a criança muda a função de um
动词的憺妄处于起点,孩子在那里说:
verbo, ele delira.
我在听小鸟的色彩
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
孩子不知道听这个动词不能用于颜色
de fazer nascimentos –
只能用于声响。
O verbo tem que pegar delírios.
这样,如果孩子改变了动词的功能,
他患了憺妄。
就是这样。
VIII
诗是诗人的声音,是发动诞生的声音——
动词必须攫住憺妄。
Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh.
八
IX
一朵向日葵俘获了神:
Para entrar em estado de árvore é preciso
那是梵高
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
九
em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até
为了进入树的状态,人必须
o mato sair na voz.
在八月的下午三点钟,
Hoje eu desenho o cheiro das árvores.
从蜥蜴的动物蛰伏中走出。
两年之间,不动与林子
会在我们的口中成长。
X
我们将忍受抒情的肢解,直至
林子在声音中挺出。
Não tem altura o silêncio das pedras.
今天,我画出树的气息。
XI
Adoecer de nós a Natureza:
十
– Botar aflição nas pedras
(Como fez Rodin).
石头的沉默没有高度。
XII
Pegar no espaço contiguidades verbais é o
mesmo que pegar mosca no ofício para dar
banho nelas.
Essa é uma prática sem dor.
É como estar amanhecido a pássaros.
Qualquer defeito vegetal de um pássaro pode
modificar os seus gorjeios.
XVIII
As coisas não querem ser vistas por
pessoas razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul-
Que nem uma criança que você olha de ave.
XIV
Poesia é voar fora da asa.
XV
Aos blocos semânticos dar equilíbrio. Onde o
abstrato entre, amarre com arame. Ao lado de
um primal deixe um termo erudito. Aplique na
aridez intumescências. Encoste um cago ao
sublime. E no solene um pênis sujo.
XVI
Entra um chamejamento de luxúria em mim:
Ela há de se deitar sobre meu corpo em toda
a espessura de sua boca!
Agora estou varado de entremências.
(Sou pervertido pelas castidades? Santificado
pelas imundícias?)
Há certas frases que se iluminam pelo opaco.
XVII
Em casa de caramujo até o sol encarde.
XVIII
As coisas da terra lhe davam gala.
Se batesse um azul no horizonte seu olho
entoasse.
Todos lhe ensinavam para inútil
Aves faziam bosta nos seus cabelos.
XIX
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro moel que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.
XX
Lembro um menino repetindo as tardes naquele
quintal.
XXI
Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais
ou no Viterbo.
A fim de consertar a minha ignorãça,
mas só acrescenta.
Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:
– Ser ou não ser, eis a questão.
Ou na porta dos cemitérios:
-Lembras que és pó e que ao pó tu voltarás.
Ou no verbo das folhinhas:
-Conhece-te a ti mesmo.
Ou na boca do povinho:
-Coisa que não acaba no mundo é gente besta
e pau seco.
etc
etc
etc
Maior que o infinito é a encomenda.