A mão suja


Minha mão está suja.
    Preciso cortá-la.
    Não adianta lavar.
    A água está podre.
    Nem ensaboar.
    O sabão é ruim.
    A mão está suja,
    suja há muitos anos.

    A princípio oculta
    no bolso da calça,
    quem o saberia?
    Gente me chamava
    na ponta do gesto.
    Eu seguia, duro.
    A mão escondida
    no corpo espalhava
    seu escuro rastro.

    E vi que era igual
    usá-la ou guardá-la.
    O nojo era um só.

    Ai, quantas noites
    no fundo de casa
    lavei essa mão,
    poli-a, escovei-a.
    Cristal ou diamante,
    por maior contraste,
    quisera torná-la,
    ou mesmo, por fim,
    uma simples mão branca,
    não limpa de homem,
    que se pode pegar
    e levar à boca
    ou prender à nossa
    num desses momentos
    em que dois se confessam
    sem dizer palavra...
    A mão incurável
    abre dedos sujos.

    Eu era um sujo vil,
    não sujo de terra,
    sujo de carvão,
    casca de ferida,
    suor na camisa
    de quem trabalhou.
    Era um triste sujo
    feito de doença
    e de mortal desgosto
    na pele enfarada.
    Não era sujo preto
    - o preto tão puro
    numa coisa branca.
    Era sujo pardo,
    pardo, tardo, cardo.

    Inútil reter
    a ignóbil mão suja
    posta sobre a mesa.
    Depressa, cortá-la,
    fazê-la em pedaços
    e jogá-la ao mar!
    Com o tempo, a esperança
    e seus maquinismos,
    outra mão virá
    pura - transparente -
    colar-se a meu braço.


作者
Carlos Drummond de Andrade

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